Tempo
Pascal
O Ano Litúrgico “compreende dois tempos
fortes: o Ciclo Pascal, tendo como centro o Tríduo Pascal, a Quaresma como
preparação e o Tempo Pascal como prolongamento; o Ciclo do Natal, com sua
preparação no Advento e o seu prolongamento até a festa do Batismo do Senhor.
Além destes dois, temos o Tempo Comum” (CNBB, Guia Litúrgico-Pastoral. Edições
CNBB, p. 11).
O Tríduo Pascal da Paixão e
Ressurreição do Senhor começa na 5ª feira santa à noite (depois do por do sol),
com a Celebração da Ceia (mandamento do amor, lava-pés) e vai até à tarde do
domingo da Páscoa da Ressurreição com as Vésperas. O Tríduo Pascal (o Cristo
Crucificado, Sepultado e Ressuscitado) é o ápice do Ano Litúrgico porque
celebra a Morte e a Ressurreição do Senhor, “quando Cristo realizou a obra da
redenção humana e da perfeita glorificação de Deus pelo seu mistério pascal,
quando morrendo destruiu a nossa morte e ressuscitando renovou a vida” (Normas
sobre o Ano Litúrgico e o Calendário - NALC, 18).
O Tempo Pascal é de 50 dias, entre o
domingo da Ressurreição e o domingo de Pentecostes. É o tempo da alegria e da
exultação, um só dia de festa, “um grande domingo”. São dias de Páscoa e não
após Páscoa (cf. NALC, 22). “Os oito
primeiros dias do tempo pascal formam a oitava da Páscoa e são celebrados como
solenidades do Senhor” (NALC, 24). “Ressuscitados com Cristo, cantamos sua
glória, sua vitória sobre a morte. O ‘aleluia’ volta a ressoar em nossos
lábios, invadindo todo o nosso ser com ardor sempre crescente, pois ‘as coisas
antigas já se passaram, somos nascidos de novo’” (CNBB, Guia Litúrgico-Pastoral,
p. 88).
A solenidade da Ascensão, no Brasil,
é celebrada no 7º domingo da Páscoa. A semana seguinte, até Pentecostes,
caracteriza-se pela preparação à celebração da vinda do Espírito Santo. Em sintonia
com as outras Igrejas cristãs, nesta semana realizamos no Brasil a “Semana de
Oração pela Unidade dos Cristãos” (cf. Diretório Ecumênico, 22 e 24).
Para os cristãos, a Páscoa (até a Páscoa
definitiva) é o acontecimento histórico central. Celebrar ou fazer a memória da
Páscoa (Mistério Pascal) significa torná-la presente no mundo de hoje, vivenciá-la
em todas as dimensões da vida humana e cósmica. A Liturgia é a celebração da
Vida no Mistério Pascal e, ao mesmo tempo, a celebração do Mistério Pascal na
Vida. A espiritualidade é - em seu sentido mais profundo - espiritualidade
pascal. Vejamos o porquê.
Em primeiro lugar (no sentido lógico
e não cronológico), a espiritualidade é o jeito “humano” de ser do ser humano e
envolve o ser humano todo, em todas as suas dimensões e relações. Ela perpassa,
impregna e absorve a totalidade do ser humano, a totalidade de sua existência.
Como, porém, o ser humano, por ser histórico
(situado e datado), é um "vir-a-ser" e um ser de busca permanente,
ele pode - ao longo de sua vida no mundo e na sociedade - adquirir uma
profundidade e intensidade sempre maior na vivência do "humano", até
o fim da vida. Portanto, a espiritualidade é, antes de tudo, espiritualidade
humana. Ser espirituais significa ser “humanos”, viver a humanidade em graus
crescentes de profundidade e intensidade. Nunca ninguém exagera em ser
“humano”, nunca ninguém é “humano” demais.
Para os cristãos, à luz da fé, a
espiritualidade humana é espiritualidade cristã. Não pode, porém, ser
espiritualidade cristã se não for primeiro (sempre no sentido lógico e não
cronológico) espiritualidade humana. A espiritualidade cristã é uma
espiritualidade radicalmente humana. Os cristãos, em nome de sua fé, não têm o
direito de ser omissos, mas devem estar sempre na linha de frente em todas as
lutas que visam tornar a sociedade e o mundo mais humanos.
“As alegrias e as esperanças, as tristezas e
as angústias dos seres humanos de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que
sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos
discípulos de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que não lhes
ressoe no coração” (Concílio Vaticano II. A Igreja no mundo de hoje - GS, 1).
Trata-se de uma solidariedade (compaixão) entranhável dos cristãos com toda a
humanidade. Na prática e não só na teoria, os cristãos deveriam ser, por assim
dizer, especialistas em humanidade.
Os cristãos acreditam que "o
mistério do ser humano só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo
encarnado. (…) Cristo manifesta plenamente o ser humano ao próprio ser humano e
lhe descobre a sua altíssima vocação" (GS, 22). "Todo aquele que
segue Cristo, o Homem perfeito, torna-se ele também mais ser humano" (GS,
41). "A razão principal da dignidade humana consiste na vocação do ser
humano para a comunhão com Deus" (GS, 19). "A fé esclarece todas as
coisas com luz nova. Manifesta o plano divino sobre a vocação integral do ser
humano. E por isso orienta a mente para soluções plenamente humanas" (GS,
11).
Reparem que o texto não diz “soluções não
somente humanas, mas também sobrenaturais” (visão dualista da vida humana), mas
diz “soluções plenamente humanas”. Para os cristãos, o plenamente humano inclui
a dimensão da fé. O cristianismo é um humanismo pleno, um humanismo radical.
Pela fé, os cristãos descobrem sempre mais claramente o verdadeiro sentido da
vida (na história), até o seu pleno, último e definitivo sentido (na
meta-história).
Pela centralidade da Páscoa na vida dos
cristãos, a espiritualidade cristã é, pois, espiritualidade pascal:
cristológica, pneumatológica e trinitária (comunitária - eclesial). Viver a
espiritualidade pascal significa viver como Jesus viveu, morrer como Jesus
morreu, ressuscitar como Jesus ressuscitou. Em outras palavras, viver a
espiritualidade pascal significa fazer acontecer a Páscoa de Jesus na vida
pessoal, na história humana e no mundo todo. A Páscoa (o mistério pascal), que
é passagem da morte (e de tudo o que a morte significa) para a vida (vida nova
em Cristo, vida segundo o Espírito) é uma realidade dinâmica (processual), que
impregna a totalidade da existência humana no mundo.
Para os cristãos, a vida é uma caminhada
pascal, que faz o Reino de Deus acontecer, até a Páscoa definitiva, que é a
plenitude do Reino de Deus, a plenitude da Vida e da Felicidade. Que a nossa
espiritualidade seja realmente - e sempre mais - espiritualidade pascal!
Obs.: Veja também o meu artigo Espiritualidade pascal: no Diário da
Manhã, 21/04/11, p. 15, ou no link: http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?lang=PT&img=N&cod=55841.
Diário da Manhã, Opinião Pública,
Goiânia, 01/04/12, p. 07
Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em
Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG
aposentado
Prof. na Pós-Graduação em
Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e
Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato
Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da
Paróquia Nossa Senhora da Terra
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